Um guia de produtividade para gestores

Pedro Nascimento
COO Humanizadas | Chairman Grupo Anga
@pedrohlnascimento | pedronascimento.com

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Como ser produtivo quando as entregas não dependem só de você?

Ser produtivo importa. E não digo isso, de forma nenhuma, por qualquer tipo de obsessão pelo trabalho. Mas quem não gosta de terminar o dia com a sensação de dever cumprido, com a certeza de que deu mais passos em relação aos seus objetivos? Já publiquei alguns artigos por aqui (como esse) que passam pelo tema de produtividade, mas nesse em específico, gostaria de tratar de um aspecto da produtividade que é menos discutido: o que é ser produtivo como gestor?

É relativamente fácil definir produtividade em uma função operacional, mas especialmente quando se ocupa uma posição de gestão, produtividade passa a ser um conceito mais ardiloso. Um dia com inúmeras reuniões é um dia produtivo?

Antes de entrar em sugestões de como ser mais produtivo, convém tratarmos da definição de contexto nesse cenário em que estamos.

Definindo produtividade

Produtividade, de forma geral, é o quanto se consegue entregar de algo por unidade de tempo. Mesmo em trabalhos de cunho intelectual, sua natureza poderia ser definida da forma a seguir:

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Ou seja, uma pessoa recebe certos inputs, realiza seu trabalho com eles, e entrega os outputs. Utilizando os exemplos da imagem:

  • Uma pessoa de contas a pagar recebe os pedidos de compras, os processa, e entrega os pagamentos realizados.
  • Uma pessoa de vendas recebe leads, realiza reuniões, e entrega possíveis oportunidades de venda.
  • Uma pessoa de gestão de pessoas recebe candidatos, faz uma avaliação, e entrega contratações.

É claro que em todos os casos poderíamos discorrer acerca da qualidade do que foi realizado: se o pagamento estava dentro dos parâmetros de orçamento, se a reunião foi eficiente comercialmente, ou mesmo se a contratação foi assertiva. Mas avaliando especificamente o volume de entregas, se uma pessoa consegue realizar mais atividades em um intervalo menor de tempo, ela é mais eficiente logo, mais produtiva.

Mas e para um gestor?

Usar a mesma definição para um gestor provavelmente não faz muito sentido, certo? Você consegue imaginar medir a produtividade de um gestor pela quantidade de reuniões que faz? Ou emails que envia? Provavelmente não faria muito sentido, certo? (se sua organização mede dessa forma, você provavelmente tem um problema sério).

Andy Grove, o lendário CEO da Intel e autor de “Gestão de Alta Performance”, se debruçou sobre esse problema. A Intel, como industrial, tinha uma preocupação grande com produtividade (vale destacar que o nome original do livro é High Output Management, algo como gestão de alto rendimento, ou alta entrega).

Grove sabia que o papel dos gestores era, fundamentalmente, de influenciar significativamente o resultado das organizações sob sua responsabilidade, sejam equipes, departamentos, ou mesmo a organização como um todo, como no caso dele como CEO. Ou seja, uma forma de olhar para a produtividade de um gestor é simplesmente olhando para a produtividade do que ele gerencia. Ele resumiu isso na seguinte equação:

Produtividade do gestor = Produtividade das organizações sob sua responsabilidade ou influência

Essa definição, apesar de útil, não traz muita clareza sobre o que precisa ser feito para aumentar sua produtividade. Afinal de contas, a produtividade depende de vários fatores fora do seu controle, como o trabalho de cada indivíduo.

Porém, Grove foi além e buscou entender como o líder contribui para a produtividade da organização, chegando no seguinte modelo:

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Para ele, ser produtivo como gestor envolve:

  • Fazer mais atividades, o que está bem próximo da definição que utilizamos de produtividade em funções mais operacionais.
  • Fazer atividades com maior alavancagem, ou seja, que têm maior impacto na produtividade das pessoas do time.

Se o caminho para a produtividade como gestor passa por esses dois caminhos, naturalmente duas estratégias fundamentais para aumentar sua produtividade em uma posição de gestão:

  1. Aumentar a quantidade de atividades gerenciais realizadas
  2. Aumentar a alavancagem das atividades realizadas (ou mudar o mix de atividades)

Trago aqui algumas sugestões de como lidar com cada uma dessas estratégias.

Estratégia 1: Aumentar a quantidade de atividades gerenciais realizadas

Aumentar a quantidade de atividades parece ser uma solução direta: basta você gerenciar melhor seu tempo e conseguirá fazer mais atividades, certo?

A realidade não é tão trivial. Diferente de um trabalho mais mecânico, no qual se poderia cronometrar o tempo disponível e buscar simplesmente fazê-lo mais rápido, as atividades são ao mesmo tempo diversas em sua natureza e elásticas no tempo que duram. São diversas pois envolvem, por exemplo, decidir, coletar informação influenciar, produzir, etc. E são elásticas porque cada uma dessas atividades pode durar uma quantidade de tempo diferente dependendo do contexto: certas decisões são tomadas em minutos, certas decisões são tomadas em dias.

Porém, consigo perceber algumas boas práticas que aumentam a eficiência gerencial, e quantidade de tarefas que você consegue realizar em um dado período de tempo:

Registro eficiente de atividades

O que você efetivamente realiza em uma posição de gestão?

Como comentei anteriormente, a natureza das atividades é muito diferente. E justamente por conta disso, é natural tratarmos gestão como um grande bloco de atividades, ao invés de atividades discretas e específicas.

Por exemplo: percebo que muitos gestores tratam as reuniões de time como um mal necessário, ao invés de um importante mecanismo de gestão (mais sobre isso aqui). Porém, ao realizar uma reunião de time de uma hora, por exemplo, você está realizando algumas atividades diferentes: captando informações, comunicando, decidindo, e o que mais fizer parte da natureza daquela reunião. Ao dedicar tempo para produzir um material específico, como uma apresentação ou relatório, você está compartilhando informação, o que pode ser necessário para que uma dada decisão seja tomada. Ao fazer uma reunião individual, provavelmente está focando em resolução de problemas, ou mesmo em direcionamento de carreira de um liderado.

O meu ponto aqui é: registre de forma clara as suas atividades, ao invés de tratar tudo como uma grande “função gerencial”. Tenha seu to-do list com suas principais atividades, para ter clareza do que está realizando. Dessa forma, você se torna capaz de entender como seu tempo está alocado, e pode decidir de forma mais estratégica se organizar para realizar as atividades mais relevantes, ou mesmo reequilibrar sua distribuição de tempo.

Alocação de tempo

Registrar suas atividades é, sem dúvida, um primeiro passo importante. O problema que percebo é que muitas pessoas criam seu to-do para saber o que precisa ser feito, sem ter clareza do quando.

Minha sugestão aqui é simples: aloque tempo para fazer o que você precisa fazer. Muitas das atividades gerenciais exigem tempo. Decisões difíceis exigem tempo alocado para análise, por exemplo. Se você não colocar estas atividades no seu calendário, dificilmente conseguirá completar um dia com seu to-do concluído, simplesmente porque não havia tempo disponível para executar as atividades ali listadas.

Só tome cuidado com a Lei de Parkinson! A lei de Parkinson é um conceito formulado pelo escritor britânico Cyril Northcote Parkinson que diz que “o trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para a sua realização. Quanto mais tempo, mais importante e exigente o trabalho parece.” Ou seja, revise sempre o tempo que você aloca para certas atividades, para garantir que é efetivamente o tempo que precisa. Senão, é muito fácil gastar muito mais tempo do que é necessário para uma atividade, simplesmente porque o tempo está disponível.

Atividades limitantes

Você já parou para pensar quais são suas atividades limitantes? Ou seja, quais as atividades que já estão previstas no seu calendário de forma recorrente?

Como estas atividades já fazem parte da sua rotina, muitas vezes é mais fácil se planejar ao redor delas. Por exemplo, você sabe que uma atividade precisa de preparação prévia, então pode alocar tempo para fazê-la. Ou mesmo sabe que seu nível de energia (mais sobre isso a seguir) é maior ou menor depois da atividade, e isso pode afetar sua priorização do que fazer em seguida. Se for uma atividade de colaboração, você pode reservar um tempo para digerir o que foi discutido e definir os próximos passos.

O ponto é, se você já tem noção dos efeitos daquela atividade, você pode se antecipar e planejar o resto da sua agenda considerando-a como um fator limitante, especialmente em como você usará seu tempo antes ou depois dela.

“Batching”

Essa palavra quer dizer, traduzindo de forma literal, fazer as coisas “em lotes”. No geral, é como funciona um processo produtivo tradicional, você faz o setup de uma máquina, para que ela produza um bocado de itens similares durante um dado intervalo de tempo, até que mude alguma coisa no setup. Como fazer o setup é custoso sob o ponto de vista de tempo, é melhor aproveitar ao máximo para produzir naquela configuração.

E o que essa definição têm a ver com trabalho intelectual? A verdade é que, de certa forma, nossa cabeça funciona de forma similar. Fazer o setup mental é fundamental para ser produtivo.

Aqui fica um teste: você já tentou fazer algo difícil, como elaborar uma estratégia, em um dia com reuniões em horários dispersos? Por exemplo, uma hora de reunião, uma hora livre, então uma hora de reunião, e por aí vai. É praticamente impossível fazer trabalho relevante quando você tem que entrar e sair do modo de foco com frequência.

Minha sugestão aqui é organizar sua agenda para realizar tarefas separadas próximas umas das outras: tentar concentrar reuniões em horários próximos, assim como reservar tempos mais longos para trabalhos de alta carga cognitiva.

Protocolos e padrões

Como argumentei nesse artigo, construir um segundo cérebro é uma excelente forma de poupar tempo e energia nas suas atividades. Se você já fez uma atividade uma vez, como uma análise, um processo de tomada de decisão ou um relatório, aproveite para registrar o que foi realizado, as ferramentas, métodos, manuais, etc.

Ao fazer isso, você pode não apenas recorrer aos seus registros posteriormente para poupar tempo, como pode compartilhar com seus liderados suas atividades com mais facilidade, quando precisar delegar.

Vale destacar que criar protocolos e padrões pode servir para situações que podem parecer mais tácitas que explícitas. Por exemplo, quando eu liderava a Qura, certas decisões de alocação de orçamento eram propostas pelo time, e cabia a mim decidir. Mas a verdade é que eu não pensava de uma forma muito diferente, em cada caso, como lidar com aquela situação, existia uma certa heurística a ser seguida (com por exemplo: avaliar custos, comparar com o orçamento, estimar impactos, etc.) Ao transformar esse modelo de decisão em um protocolo, economizei tempo justamente porque o time passou a consultar o protocolo primeiro para já trazer a decisão mais preparada, economizando, assim, tempo que seria alocado na definição de como avançar naquela decisão.

Tempo livre estratégico

Apesar de todo argumento aqui que defende o planejamento e a melhor organização das atividades, sempre precisaremos lidar com o inesperado. Ter uma agenda completamente lotada do começo ao fim da semana é uma receita para a frustração: sempre vai aparecer uma demanda inesperada que você não poderia prever. Isso pode ser um problema a ser resolvido, mas também pode ser uma oportunidade que você precisará dedicar mais energia para aproveitar.

Estratégia 2: Aumentar a alavancagem das atividades realizadas

Se fazer mais atividades é a primeira estratégia de produtividade como gestor, a outra estratégia envolve fazer atividades mais impactantes. Mas o que configura uma atividade mais impactante?

Como atividades gerenciais são, por sua natureza, diversas, uma forma de olhar para sua alavancagem é focar na abrangência e profundidade do impacto gerado. Dessa forma, três principais formais de aumentar a alavancagem são:

Abrangência: quando seu trabalho impacta mais pessoas.

Quando se realiza uma atividade coletiva, aumenta-se também a capacidade de impactar um número maior de pessoas com seu trabalho. O problema é que muitas vezes essa oportunidade é desperdiçada, e torna-se, ao invés de uma oportunidade de alavancagem, uma ameaça à produtividade do time. Portanto, regular a abrangência das suas interações é fundamental pra garantir que o impacto da atividade é positivo:

  • Se seu objetivo é alinhar o time em relação à estratégia, comunicar mudanças, ou fortalecer cultura (como incentivar disciplina operacional), reuniões de time (considerando aqui o tamanho que for – equipe, departamento ou mesmo a empresa como um todo), pode ser sua melhor opção.
  • Se seu objetivo é tomar decisões, colaborar em soluções e desafios, ou solicitar e oferecer informações específicas, pode ser mais interessante envolver apenas as pessoas que têm relação direta com o trabalho em questão.
  • Se seu objetivo é aprofundar relações, discutir futuro de carreira ou oferecer desenvolvimento por meio de coaching ou mentoria, uma reunião individual (1:1) é provavelmente a sua melhor opção.

Claro que, com essa lista, não estou buscando ser exaustivo em como utilizar cada formato de interação, apenas trazer exemplos de como cada tipo de interação é mais eficiente para um objetivo. Tentar resolver tudo em uma reunião de time, por exemplo, é uma utilização bastante ineficiente do seu tempo como gestor (e provavelmente, do seu time também).

“Momento da verdade”: quando uma atividade sua gera muito valor em um pouco tempo.

Como explorei de forma mais extensiva nesse artigo, certos momentos são absolutamente desproporcionais aos demais em relação à geração de valor. Quando falamos em atividades gerenciais, esses momentos envolvem:

  • Comunicações altamente relevantes
  • Decisões de consequências mais impactantes
  • Interações com públicos estratégicos (como clientes, ou mesmo stakeholders internos)

Nesses casos, a participação do gestor gera muito valor.

Desenvolvimento organizacional: quando seu trabalho produz algo que gera valor ao longo do tempo, de forma cumulativa.

Esse é um tema que também foi explorado de forma mais aprofundada nesse artigo, mas é uma excelente estratégia de ganho de alavancagem em uma atividade.

Muitas vezes, a melhor forma de aumentar a alavancagem de uma atividade é garantir que ela continua impactando a produtividade ao longo do tempo. Por exemplo: uma nova ferramenta, um novo processo ou método, continuam impactando o desempenho do time após serem implementados.

Esse tipo de atividade, no geral, não entrega resultados imediatamente (dado que existe um período de adaptação, e de acumulação de ganhos compostos). Então vale a pena focar nesse tipo de solução justamente quando seus efeitos se acumularem, seja por atingirem mais pessoas, seja por serem mais impactantes.

Como regra geral, sempre recomendo a todo gestor dedicar pelo menos uma parcela do seu tempo à construção de soluções organizacionais.

Ocupar um papel de gestão é, por definição, estimulante: o trabalho dificilmente tem a mesma natureza, e os desafios tendem a ser diversos. Ao mesmo tempo, tamanha diversidade de responsabilidades e atividades pode gerar uma dada ansiedade de como alocar seu tempo da melhor forma possível.

Meu objetivo nesse artigo é argumentar que ser um líder produtivo tem a ver com fazer mais atividades e fazer atividades mais impactantes. Cada uma das estratégias têm suas especificidades, e cabe a você encontrar como pretende adotá-las, ou mesmo, inventar estratégias novas.

Mas mais importante que isso é reconhecer que, se produtividade importa, ou você assume responsabilidade sobre a sua, ou provavelmente a rotina fará isso por você – e não necessariamente tomando as mesmas decisões que você tomaria.